
Se eu soubesse quem é você. Se eu visse mesmo. Se você me trouxesse o veneno do mundo. Se você me dissesse coisas malucas que estão antes de tudo isso que você diz, querendo tanto estar depois. Se você pudesse calar a boca. Se ao invés dessas besteiras decoradas que você fala sem parar, pra me mostrar que lê e vê e escuta, você ficasse quieto um pouco, me invadindo do mistério desgraçado de outra pessoa no mundo. Se você fosse só bonito sem comprar roupas e cabelos e notícias que ilustrem isso. O bonito estragado. Eu queria que você fosse o bonito estragado. Mas você se melhora o tempo todo e eu tenho nojo de você. Se eu amasse você, não poderia estar agora, que nem uma panaca, te esperando chegar, calma e alisada, o interfone tocar, você feliz, você bonito, sua boca boa de beijar. Você sem cheiro de rua, de suor, de cigarro, de velhice, de dor. Você com seu cheiro insuportável de menino bom e desinfetado. Eu com fome, jantamos. Eu como. Conversamos. Eu posso. Tenho a voz doce, me mantenho ereta, sorrio como nessas mesas de mocinhas que não sentem o desespero apesar da situação de vitrine. Com você eu posso. Eu durmo. Não tenho olheiras. Com você eu posso amar, porque não penso “olha: eu amo”. Com você eu posso sentir porque não sinto tanto que preciso parar de sentir. E é isso que me entristece. Você é uma piscina de plástico pra criança. Pra eu retomar meu contato com a água depois do trauma com a cachoeira de milhões de metros e velocidades. E eu molho os pés e posso. Você é uma via acolchoada, para eu voltar a dar os passos, depois do acidente que me deixou sem músculo desejoso. E você segura bem forte na minha mão e diz “eu posso ir com você, eu posso dormir aqui, eu posso ficar”. E eu serei eternamente grata, masnão eternamente.
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